Mariana Cardoso
Universidad Nacional de Educación a Distancia mcardoso@geo.uned.es
https://orcid.org/0000-0001-7184-3396
Resumo
Após a eclosão da Guerra Civil na Espanha, a diplomacia alinhada aos naciona- listas no Brasil passou a perseguir cidadãos espanhóis neste país sob a orientação do Governo de Burgos. As ações empreendidas pelos ex-funcionários do Ministério de Estado não eram tradicionalmente próprias de um órgão de política exterior. Sustentamos que os diplomatas desempenhavam função típica das polícias criadas com a constituição dos estados modernos a partir do final do século xviii para reprimir a delinquência política. Os métodos de ação colocados em prática pe- los representantes do Ministério de Assuntos Exteriores (MAE) e os instrumentos adotados se assemelhavam àqueles utilizados pelas polícias secretas, especialmente a recopilação de informação, a constituição de rede de informantes, a participação na detenção de pessoas, o uso de meios para coação e a eliminação do inimigo. No território brasileiro, cidadãos espanhóis ali permaneceram resistindo à ditadura franquista por meio de sua produção intelectual crítica e de sua atuação política. O exílio neste país passaria a ser considerado como verdadeiro risco para as autorida- des franquistas que zelavam pela manutenção do regime.
Palavras-chave: diplomacia, exilio, Franco, polícia política, repressão,Vargas
Fecha de recepción: 02/05/2024 Fecha de aceptación: 11/09/2024
ISSN: 1889-1152. DOI: 10.1344/segleXX2024.17.12
Resum
La diplomàcia franquista en acció: prevenció, combat i càstig (1939-1945)
Després de l’inici de la guerra civil a Espanya, la diplomàcia alineada amb els nacionals al Brasil va començar a perseguir ciutadans espanyols sota orientació del govern de Burgos. Les accions dutes a terme per antics funcionaris del Ministeri d’Estat no eren tradicionalment les pròpies de l’òrgan de política exterior. Susten- tem que els diplomàtics desenvolupaven la funció típica de les policies creades amb la constitució dels Estats moderns a partir del final del segle XVIII per a reprimir la delinqüència política. Els mètodes d’acció posats en pràctica per representants del Ministeri d’Afers exteriors (MAE) i els instruments adoptats s’assemblaven a aquells utilitzats per les policies secretes, especialment la recopilació d’informació, la cons- titució de xarxa d’informants, la participació en la detenció de persones, l’ús de mitjans per a la coacció i l’eliminació de l’enemic. En el territori brasiler, ciutadans espanyols van resistir a la dictadura franquista a través de la seva producció intel- lectual crítica i de la seva actuació política. L’exili en aquest país seria considerat com un veritable perill per a les autoritats franquistes que intentaven mantenir la supervivència del règim.
Paraules clau: diplomàcia, exili, Franco, policia política, repressió,Vargas.
Resumen
La diplomacia franquista en acción: prevención, combate y castigo (1939-1945)
Después del inicio de la guerra civil en España, la diplomacia alineada con los nacionales en Brasil empezó a perseguir ciudadanos españoles bajo orientación del gobierno de Burgos. Las acciones llevadas a cabo por exfuncionarios del Ministe- rio de Estado no eran tradicionalmente las propias del órgano de política exterior. Sustentamos que los diplomáticos desarrollaban la función típica de las policías creadas con la constitución de los Estados modernos a partir del final del siglo XVIII para reprimir la delincuencia política. Los métodos de acción puestos en práctica por representantes del Ministerio de Asuntos Exteriores (MAE) y los instrumentos adoptados se parecían a aquellos utilizados por las policías secretas, especialmente la recopilación de información, la constitución de red de informantes, la participa- ción en la detención de personas, el uso de medios para la coacción y la elimina- ción del enemigo. En el territorio brasileño, ciudadanos españoles resistieron a la dictadura franquista a través de su producción intelectual crítica y de su actuación política. El exilio en este país sería considerado como um verdadero peligro para las autoridades franquistas que intentaban mantener la supervivencia del régimen.
Palabras clave: diplomacia, exilio, Franco, policía política, represión,Vargas.
Abstract
Franco’s Diplomacy in Action: Prevention, Combat and Punishment (1939-1945)
After the Spanish Civil War broke out, nationalist-aligned diplomacy in Brazil began to persecute Spanish citizens in the country under the guidance of the Bur- gos’ government. The actions undertaken by the former officials of the Brazilian Ministry of State were not common to traditional foreign policy body. We advo- cate that diplomats performed a typical function of the police, similar to that of the formation of modern states from the end of the 18th century to repress political delinquency. The methods put into practice by the representatives of the Ministry of Foreign Affairs (MAE) and the instruments adopted were similar to those com-
monly used by secret polices, namely: the collection of information, the creation of a network of informants, the participation in the arrest of people, the use of co- ercive means, and the assassination of enemies. Spanish citizens remained resisting the Franco dictatorship in Brazil via critical intellectual production and political action. Exile in Brazil would come to be considered a real risk for the Francoist authorities who were looking after the maintenance of the dictatorial regime.
Keywords: diplomacy, exile, Franco, political police, repression,Vargas.
§
Na noite de 27 de julho de 1945, aproximadamente às 20:45, Pedro García Conde, embaixa- dor de Espanha na cidade do Rio de Janeiro, informava ao Ministério de Assuntos Exteriores (MAE) o teor da conversa que havia tido pela manhã com o chanceler brasileiro a respeito de um evento organizado por membros da Associação Brasileira de Amigos do Povo Espanhol (ABAPE) — entidade fundada por espanhóis e intelectuais brasileiros em defesa do restabele- cimento da democracia na Espanha.1 Na realidade, Conde havia marcado encontro com o ministro das Relações Exteriores para tratar de outro assunto que era urgente — a proposta de rotura de relações diplomáticas com a Espanha que seria discutida na conferência preparatória para a formação das Nações Unidas, na cidade de São Francisco, na qual o Brasil estaria pre- sente e a Espanha franquista não fora convidada a participar. Entretanto, ao tomar ciência do que preparava a ABAPE para o dia 28 de julho, antecipou sua ida ao Itamaraty2 com a intenção de obter auxílio do Governo Vargas para impedir a realização daquela reunião que seria em praça pública.3
Pedro Conde desejava evitar debates que trouxessem à público o que as autoridades espa- nholas negavam rotundamente — a natureza fascista do novo Estado espanhol — e que este fato pudesse mobilizar a opinião pública contra o regime, e, assim, comprometer o apoio bra- sileiro ao caudilho. Esta estratégia se assemelhava àquela adotada por José Sebastián de Erice para a defesa do franquismo junto à Comissão de Direitos do Homem da ONU — posterior Comissão de Direitos Humanos, que não se restringiu a negar publicamente acusações for- muladas contra a Espanha de Franco, como a de violações de direitos humanos, mas procurar evitar que este assunto viesse à baila.4
Conforme o telegrama remetido ao MAE, o ministro das Relações Exteriores do Brasil res- pondeu que naquelas circunstâncias, de absoluta liberdade de imprensa e de reunião no país,
1 * Este trabalho recebeu apoio do Programa Maria Zambrano para Atração de Talento Internacional.
Com sede no Rio de Janeiro, a ABAPE fora constituída em 3 de julho e contava com a participação de ex-membros do Minis- tério de Estado (Ramón Fernández Pintado e Ricardo Antonio Pérez), de José Morales, Ramiro Pintado, Manoel Freire Castilha, de voluntários brasileiros que lutaram nas fileiras republicanas e de Roberto Sisson, membro do Partido Comunista Brasileiro. Em sua reunião de fundação, teria comparecido Fernando Lagarde, secretário da embaixada mexicana, e teria sido decidido arrecadar fundos e pleitear a ruptura de relações diplomáticas entre Brasil e Espanha [Archivo General de la Administración (AGA), Exte- riores, 1577-35, Despacho n.º 200 de Pedro García Conde, embajador. Embajada de España. Río de Janeiro, 4 de julio de 1945]. A ABAPE foi investigada pela polícia política paulista, que registrou num prontuário policial as reuniões realizadas pela entidade até o seu fechamento por ordem do Departamento Nacional de Informações, em 13 de setembro de 1946. Cf. Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), DEOPS/SP, Prontuário 10503 – Associação dos Amigos do Povo Espanhol.
2 O Ministério das Relações Exteriores do Brasil também é conhecido por Itamaraty, nome do edifício onde esteve situada sua sede no Rio de Janeiro, o Palácio do Itamaraty.
3 Cf. Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 1577-35,Telegrama n.º 193-cif. al ministro de Asuntos Exterio- res. Embajada de España. Río de Janeiro, 27-7-1945.
4 Consideramos que a ação de Pedro García Conde estava alinhada à orientação dada pelo então ministro de Assuntos Ex- teriores, Martín Artajo, aos diplomatas franquistas no sentido de buscar-se evitar ao máximo que o debate sobre a “questão
seria impossível proibir o meeting organizado pela ABAPE, ainda que tal encontro também des- favorecesse o próprio presidente da República. Diante desta negativa, Conde decidiu reduzir sua demanda, requerendo que se autorizasse o evento apenas em âmbito privado — a portas fechadas — e não no espaço público. Entretanto, o chanceler brasileiro receava não conseguir e, tampouco prometeu avisar imediatamente o chefe de polícia, que, em sua avaliação, era um homem muito hábil.5
Em seguida, o embaixador espanhol aproveitou para indagar sobre a posição brasileira a res- peito da proposta de ruptura de relações diplomáticas com a Espanha franquista. Esta questão seria discutida na Conferência de São Francisco. E o ministro teria dito não possuir notícias sobre o assunto porque o presidente nada lhe havia informado e afirmara que: “se chegou ao presidente tal proposição, terá jogado ao cesto de papéis” (tradução livre).6 Na realidade, esta colocação refletia a política varguista que havia sido adotada desde o início da Guerra Civil espanhola, em 1936, a de apoio aos nacionalistas. Consideramos que esta colaboração ocorreu não exatamente por afinidade ideológica, mas por questão estratégica — em virtude das faci- lidades que o Brasil teria para controlar, perseguir, obter provas e eliminar rojos espanhóis, além de punir seus colaboradores no país.
O telegrama enviado por Pedro Conde ao MAE confirma um dos aspectos do modus operandi desta diplomacia no Brasil, qual seja, o de realizar “gestões” — conversas pessoais — junto às autoridades brasileiras com a finalidade de obter seu auxílio para o combate aos inimigos do Estado franquista. Esta iniciativa havia sido exitosa durante o conflito civil na Espanha. Mas, no caso mencionado, a colaboração não fora possível em razão das alterações nos planos interno e internacional. Os ventos da guerra sopravam em direção à vitória aliada e o fim do conflito mar- caria a derrocada do nazifascismo. Ciente deste fato, em âmbito doméstico, desde abril de 1945 o presidente Getúlio Vargas ensaiava medidas para demonstrar ao mundo que seu regime ditatorial se transformava e o país se democratizava. E por este motivo que o pedido de providências contra a reunião da ABAPE, que seria realizado na cidade de São Paulo, não teria sido atendido.
Entretanto, a documentação da polícia política paulista revela que o Departamento de Or- dem Política e Social do Estado de São Paulo ordenou se efetuasse policiamento “severo” a esta reunião,7 que ocorreria no Largo da Concórdia, em São Paulo. Para essa missão, houve o destacamento de dois delegados de polícia, investigadores e vinte guardas civis.8 Cerca de três
espanhola” viesse à público. Não se tratava apenas de negar publicamente as acusações sobre violações de direitos humanos na Espanha ou que o regime tivesse sido constituído por meio da aliança ao nazifascismo, mas impedir que o assunto viesse à baila. Conforme demonstramos anteriormente, no âmbito das Nações Unidas, esta diretriz foi seguida por José de Erice junto às sessões do Conselho de Direitos do Homem. Cf. Ribeiro, M.C.S. (2018). Relegado à invisibilidade: o lugar dos direitos humanos na agenda da diplomacia franquista (1945-1955). Revista de História, USP, disponível em https://www.revistas.usp.br/ revhistoria/article/view/133803/149301.
5 Havia conseguido que o ministro das Relações Exteriores deixasse o chefe de Polícia em alerta. E sobre o assunto ele teria dito: “Pero poco importa que sea en plaza pública porque solamente asistirán cuatro gatos”.Ver: Archivo General de la Ad- ministración (AGA), Exteriores, 1577-35,Telegrama 195 – cif. de Pedro García Conde al ministro de Asuntos Exteriores, Rio de Janeiro, 31-7-1945.
6 Ibid.
7 Cf. Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), DEOPS/SP, Prontuário 10503 – Associação dos Amigos do Povo Espanhol, Despacho de Venancio Ayres, chefe do Departamento de Ordem Polícia e Social, São Paulo, 24-8-1945. Junto ao despacho, pode-se ler a frase manuscrita “policiamento severo”, que atribuímos a Venancio Ayres porque está escrita com o mesmo tipo de letra e na mesma cor da tinta de caneta utilizada no despacho.
8 Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), DEOPS/SP, Prontuário 10503 – Associação dos Amigos do Povo Es- panhol, “Escala de Policiamento Extraordinário de Ordem Política e Social para o Comício Democrático da Associação Brasileira dos Amigos do Povo Espanhol” elaborada por Venancio Ayres, chefe do Departamento de Ordem Polícia e Social, São Paulo, 24-8-1945.
semanas antes, também na cidade de São Paulo, havia sido organizado encontro da ABAPE na sede do sindicato dos bancários. Nesta oportunidade, teriam comparecido cerca de trezentas pessoas e tomado a palavra Luis Amador Sánchez Fernández pedindo a adesão dos espanhóis àquela entidade.9 Possivelmente, o temor de García Conde era de que o evento de agosto tivesse a mesma magnitude do anterior e conquistasse o apoio da opinião pública brasileira.
Neste artigo, trataremos do papel desempenhado por esta diplomacia no Brasil com relação aos chamados “inimigos da Nova Espanha” no período entre a vitória nacionalista, em abril de 1939, e o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Partimos do pressuposto de que as ações dos representantes do Governo franquista não eram tradicionalmente diplomáticas, mas inves- tigativas. E nessa direção sustentamos a hipótese de que se assemelhavam à função desenvolvida pelas polícias criadas pelos estados modernos a partir do final do século xviii. Com a finalidade de garantir sua subsistência, estes estados constituíram um corpo policial especializado na pre- venção, no combate e na punição da delinquência política.
Como sustenta José Faraldo,10 tanto o objeto de persecução criminal (as ideias) quanto os mé- todos utilizados se assemelhavam aos do Tribunal da Inquisição espanhola. Ao analisar a origem e a formação das polícias secretas comunistas, o historiador revela algumas de suas características comuns, como a utilização de elementos específicos na investigação do delito (uso de identidade falsa, de esconderijos, de carros sem placas, constituir redes de informantes) e na persecução ao criminoso (uso de chantagem, de ameaça, de tortura e fazer desaparecer detidos geralmente não submetidos a processo judicial). Em geral, este tipo de polícia se valia da recopilação da informa- ção, da detenção coletiva, da intimidação e da prática de eliminação do inimigo.
Na literatura histórica, há obras muito importantes sobre o papel exercido por diplomatas para a perseguição política, tanto para a triangulação de informações sobre criminosos (entre o país ao qual representavam e terceiros países),11 quanto para a colaboração com represálias a determinadas categorias de cidadãos12 ou para viabilizar a espionagem por meio das chancela- rias no exterior.13 Entretanto, não há estudos que os considerem como peças-chave de regimes de natureza autoritária/totalitária, de maneira sistêmica, ao lado dos órgãos de justiça e de segurança pública. E nem que procurem explicar a natureza de suas ações, que, em determi- nados governos, se afastará da representação do Estado e de suas instituições no exterior para converter-se em função eminentemente policial envolta no maior secretismo.14
Acreditamos que este fato possa ter por causa três fatores principais. Primeiro, a ausência de documentação disponível que revele de forma ostensiva seu lugar no sistema repressivo, que
9 Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), DEOPS/SP, Prontuário 10503 – Associação dos Amigos do Povo Espa- nhol, Relatório (sem autoria) ao Delegado Chefe do Setor de Ordem Política. Secretaria da Segurança Pública. Delegacia de Ordem Política e Social, São Paulo, 17-7-1945.
10 Faraldo, J.M. (2018). Las redes del terror: Las policías secretas comunistas y su legado. Galaxia Gutenberg, 19-31.
11 Como exemplo, citamos a colaboração do embaixador em Paris, José Felix de Lequerica, para a vigilância sobre os refugiados espanhóis na França. Cf. Preston, P. (2011). El holocausto español: Odio y exterminio en la Guerra Civil y después. Debate, 638-644.
12 Como exemplo, mencionamos a ação em Portugal da diplomacia e da polícia que procuravam impedir qualquer sinal de oposição ao franquismo quando manifestado neste país. Cf. Chaves Palacios, J. (2017). Franquismo y salazarismo unidos por la frontera: cooperación y entendimiento en la lucha contra la disidencia (1936-1950), disponível em http://ccec.revues.org/6571.
13 Em sua obra, o historiador Jordi Guixé demonstra de que forma se constituíram e atuaram os serviços franquistas de infor- mação na França por meio da diplomacia. Cf. Guixé Coromines, J. (2012). La república perseguida: Exilio y represión en la Francia de Franco, 1937-1951. Universitat de València, 92-99.
14 Do ponto de vista jurídico, o conceito de espionagem se refere ao uso de meio oculto ou fraudulento para obter informação reservada ou secreta (https://dpej.rae.es/lema/espionaje). Conforme Heiberg e Ros, o objetivo da espionagem é obter informa- ção relacionada com a segurança nacional ou com os interesses do Estado (Cf. Heiberg, M. y Ros Agudo, M. (2006). La trama
indique ser um dos elementos principais de sua estrutura, e não ator secundário.15 Em segun- do lugar, a cristalização da retórica propalada pelo próprio órgão de política exterior de que o âmbito de sua atuação é o da representação do Estado, de seus interesses e da proteção aos seus cidadãos no exterior. E que as questões de polícia (segurança) seriam de competência do Ministério do Interior ou de Justiça (a depender do país). Entretanto, ainda que esta não seja sua atribuição originária, há exemplos da ação desta instituição neste sentido.16
E em terceiro, a complexidade na interpretação das fontes primárias, que geralmente não oferecem dados suficientes para revelar facilmente a desvirtuação da função diplomática. Não nos referimos ao desvio de conduta individual de determinado funcionário (com relação à casos pontuais), mas a modificação de finalidade do próprio órgão. Atribuímos essa dificuldade no tratamento dos dados à opacidade própria deste tipo de documentação. Essa característica impõe tarefa árdua ao historiador que se vê obrigado a procurar com rigor os fragmentos da mesma história pulverizados nos fundos de distintos arquivos para efetuar o cruzamento de dados. Por este motivo que a documentação diplomática, quando analisada isoladamente, não confere a di- mensão adequada sobre o papel que exerciam os diplomatas e a natureza de suas ações.
Na realidade, consideramos que eram policiais, muitas vezes clandestinas e totalmente ile- gais. E o sigilo a elas imposto explica a ausência de informações substanciais nas fontes, ou a presença de dados incompletos ou de determinados “códigos” (siglas, expressões genéricas que em si mesmas não indicam o conteúdo completo da mensagem que enviava). Estes fatores tornam ainda mais difícil a compreensão e podem reforçar a ideia de que o órgão de política exterior não era parte fundamental do sistema repressivo, apenas o auxiliava. E que não se vin- culava diretamente às questões relacionadas à segurança e à defesa do Estado.17
Neste artigo, trataremos sobre a ação da diplomacia franquista frente ao exílio vivido pelo cônsul Luis Amador Sánchez Fernández no Brasil — aqui considerado enquanto forma de resistência. Examinaremos esta ação em sua tríplice dimensão: a preventiva, a combativa e a punitiva. A primeira, consistia em agir no sentido de antever o fato delitivo, observar o suspei- to, seguir seus passos. A segunda, significava tomar providências para suspender de imediato a prática do crime, obter informações que pudessem permitir localizar o acusado, e constituir as provas da atividade criminosa. E a última, tratava-se de garantir a aplicação do castigo, tanto fazendo chegar o caso (e as devidas provas) ao conhecimento das autoridades públicas no Brasil e na Espanha, quanto adotando represálias contra o indivíduo nos bastidores do poder.
oculta de la Guerra Civil: Los servicios secretos de Franco. Crítica, XII-XIV). Esclarecemos que as fontes primarias utilizadas neste artigo não nos autorizam a considerar como espiões os diplomatas à serviço do regime franquista no Brasil.
15 A política de acesso determinada pela Lei n.º 19, de 5 de abril de 1968 (modificada pela Lei n.º48/1978), e pelo Acordo do Conselho de Ministros, de 15 de outubro de 2010 (sobre política de segurança da informação do Ministério de Assuntos Exteriores e de Cooperação) impede que venha à público documentação classificada como “secreta” e que se refere a distintas áreas das relações exteriores. Sobre a questão ver:Viñas Martín,Á. (2014). Salamanca, 1936: Memorias del primer ministro de Asuntos Exteriores de Franco. Crítica, 7-12.
16 Recordamos aqui o caso da expulsão da Argentina do jornalista norte-americano John White, em 1937, por ter publicado no The NYTimes que Getúlio Vargas havia dado um golpe de Estado no Brasil. O caso foi tratado entre os ministérios das Rela- ções Exteriores de Brasil e Argentina. E ainda que o Itamaraty tenha solicitado providências contra White e fornecido provas de sua “indesejabilidade”, seu homólogo argentino saiu em sua defesa na imprensa ao negar a ingerência brasileira, muito além de afirmar que o tema da expulsão de estrangeiros não era de competência do órgão de política exterior. Cf. Cardoso dos San- tos Ribeiro, M. (2017). Libertad de prensa en alarma: diplomacia e censura exterior durante o governo Vargas (1937-1945). In: Álvarez Cuartero, I. Conflicto, negociación y resistencia en las Américas. Servicio de Publicaciones de la Universidad de Salamanca. 17 A atuação da diplomacia junto às redes de espionagem na França, tanto durante a guerra civil espanhola quanto ao longo da Segunda Guerra Mundial, demonstra a participação direta das autoridades franquistas nas questões consideradas de segurança e defesa do Estado. Cf. Guixé Coromines, J. (2012). La República perseguida… Op. cit., 43-52 e 148-155.
Reputamos este tipo de atuação como própria da lógica de um Estado policial que man- tinha a sociedade civil sob o controle mais estrito. Na Espanha de Franco, a investigação dos antecedentes do cidadão era regra. Para que se realizassem quaisquer atos administrativos sobre determinada pessoa, solicitavam-se informações (“informes”) a seu respeito a órgãos públicos, seus distintos setores e outras entidades.A finalidade era a de investigar e certificar a idoneidade política e moral dos indivíduos. Acreditamos que essa prática, já mencionada pela historiogra- fia,18 atingiu todas as instituições do regime franquista, incluído o órgão de política exterior.19 Este estado de vigilância constante transpôs as fronteiras espanholas para alcançar seus cidadãos do outro lado do Atlântico, no Brasil.
Ações preventivas: a lógica da diplomacia policial
Luis Amador Sánchez era natural de Madri, nascera em 19 de abril de 1896. Formou-se em Direito pela Universidade Central de Madri, em 1917. E cerca de quatro anos depois, ingressava na carreira diplomática, tendo ocupado o cargo de cônsul na Bélgica (1921-1924), no Brasil (1925-1927), na Argentina (1927-1928), na Noruega (1929-1930), na Suécia (1930-1934), na
França (1934-1936).
Quando eclodiu o conflito civil na Espanha, estava lotado no consulado em La Plata, na Argentina. Havia chegado da França recentemente,20 deixara seu posto em Paris em razão do alto custo de vida. Inicialmente, desejava mudar-se com sua família (a esposa e três filhos) para a cidade de Santos, no Brasil, mas a documentação não informa por qual motivo mudou seu plano inicial.
Em meio à guerra, foi transferido para o consulado no Rio de Janeiro, assumindo seu novo posto em 1938. Com a vitória nacionalista, perdeu o cargo de cônsul, sendo exonerado pelo Ministério de Assuntos Exteriores. Ao se ver obrigado a deixar a representação consular, pas- sou a colaborar com diversas revistas e jornais da América Latina, dentre estes, o periódico O Estado de São Paulo. Escrevia textos sobre literatura espanhola e política internacional. Essa ati- vidade parecia não incomodar seus ex-colegas de profissão que seguiam seu trabalho de perto desde o final do conflito. Na opinião do embaixador Pedro García Conde, Amador Sánchez analisava questões da política internacional com verdadeiro sentido crítico e grande espírito de observação. E o seu livro El llanto de los hombres, que reunia diversos artigos publicados na imprensa, revelava “escrita fina sem artifício, tornando amena e fácil a leitura” (tradução livre).21 A produção intelectual de Amador Sánchez era lida por cônsules e pelo embaixador, sendo remetida periodicamente ao MAE. Normalmente, os textos (recortes de jornal) iam acompa- nhados da análise de conteúdo, e em algumas ocasiões, continham comentários sobre a postura
18 Ver: Álvaro Dueñas, M. (2009). Control político y represión económica. In: Díaz-Balart, M.N. La gran represión. Flor del Viento, 266-267.
19 O Ministério de Assuntos Exteriores requeria informações às embaixadas dos países onde o indivíduo tivesse residido. Por sua vez, as representações franquistas comunicavam-se com as autoridades locais do país onde estivessem sediadas para pedir dados complementares, se fosse o caso. Desta forma, intercambiavam-se as provas contra o cidadão.
20 Foi nomeado cônsul em La Plata, em 13 de junho de 1936. Cf. Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 54-11673.
21 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 1577-35, Despacho n.º 355 de Pedro García Conde, embajador al ministro de Asuntos Exteriores, Embajada de España, Río de Janeiro, 22-9-1944.
política de seu autor.22 A tarefa de acompanhar e vigiar a divulgação de suas ideias no Brasil correspondia à nova função que havia sido imprimida à diplomacia franquista, desde o início da Guerra Civil, e que se solidificaria com a constituição do novo regime, após 1939.
Cabe ressaltar que esta atribuição não se relacionava exatamente às atividades próprias de representantes do órgão responsável pela política exterior. Originalmente, estes funcionários tinham competência para reportar aos seus superiores dados de interesse para as relações bilate- rais com o país de acolhida, para representar o Estado de origem, e para defender os interesses de seus nacionais. Entretanto, esta função se modificaria com a implementação das diretrizes da chamada “guerra de ocupação” na zona nacionalista durante o conflito civil na Espanha.
À medida que os territórios iam sendo conquistados pelos rebeldes, as forças de segurança foram orientadas a realizar o mapeamento, a identificação e a eliminação do inimigo.23 Esta mesma lógica foi transposta para o outro lado do Atlântico e executada por ex-funcionários de carreira que haviam abandonado o Ministério de Estado. Esses indivíduos, que passaram a representar o Governo nacional no Brasil, atuavam de forma oficiosa e seguindo as orientações da Secretaria de Relações Exteriores sediada em Salamanca.
As instruções eram transmitidas por meio do ex-cônsul José de Cárcer y Lassance, no Rio de Janeiro. E passaram a realizar o mapeamento ideológico da comunidade espanhola radicada neste país. O objetivo era o de identificar os inimigos e classificá-los como “adictos” ou “não adictos”. Para tanto, informavam-se sobre seus antecedentes políticos, acompanhavam suas ações e preveniam as autoridades varguistas sobre o perigo que representavam à segurança do Estado brasileiro. Consideramos que a partir desse momento é que estes diplomatas exerce- riam funções eminentemente policiais, atuando em estreita conexão com o sistema repressivo implantado nas zonas da Espanha invadidas pelos insurgentes.
Após a vitória de Franco, continuaram a atuar “preventivamente”, conforme a lógica poli- cial. Buscavam antever a prática do delito por meio da vigilância atenta e constante dos mo- vimentos de cidadãos espanhóis, especialmente daqueles cuja vida pregressa autorizava a total desconfiança, como no caso do cônsul Amador Sánchez.
Muito embora gozasse do respeito de seus antigos colegas de profissão, ele havia integrado os quadros do Ministério de Estado até o final da contenda. Após ter sido exonerado, sobrevi- veria no Brasil ministrando aulas de espanhol e escrevendo artigos até ser nomeado, em feve- reiro de 1944, professor catedrático de Língua e Literatura Espanholas e Hispano-americana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Este fato também foi acompanhado pela diplomacia franquista e comunicado oficialmente ao MAE por José Gallostra y Coello de Portugal, cônsul geral de Espanha em São Paulo, em 24 de junho de 1944.24 Gallostra considerava-o “prudente e discreto”, já que seus artigos não comentavam e sequer mencionavam a política na Espanha. Entretanto, acrescentava que devia informar ao MAE de que ele não havia manifestado até aquele momento nenhum desejo de manter relações com a embaixada espanhola no Rio de Janeiro.25 Sem dúvida que essa questão
22 No original:“fina pluma sin artificio, haciendo amena y fácil la lectura de la referida obra”, ibid.
23 Sobre as estratégias utilizadas durante a guerra de ocupação ver: Gómez Bravo, G. (2017). Geografía humana de la represión franquista: Del golpe a la guerra de ocupación (1936-1941). Cátedra.
24 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 1577-35, Despacho n.º77 de José Gallostra, cónsul general, al mi- nistro de Asuntos Exteriores, Consulado General de España, San Pablo, 24-7-1944.
25 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 1577-35, Despacho n.º245 de Pedro García Conde, embajador, al ministro de Asuntos Exteriores, Embajada de España, San Pablo, 28-6-1944.
contaria em seu desfavor, já que o conceito de inimigo da ditadura franquista também abarcava aqueles que lhes eram indiferentes.
Muito embora estivesse sob controle direto por parte de seus ex-colegas, sua nova ativida- de profissional parecia não causar nenhum risco aparente ao regime. Entretanto, esse cenário se modificaria meses depois. Em outubro de 1944, concedeu entrevista ao jornal paulistano Diário da Noite, e que daria origem à matéria “Pela restauração da República Espanhola”. Esse texto gerou os primeiros relatórios negativos da embaixada espanhola para o MAE com críticas a respeito de sua postura frente ao franquismo.
De uma ação meramente preventiva, acompanhar os textos publicados na imprensa por Sánchez, a diplomacia passaria a exercer a atividade combativa. Procuraria reunir as provas da prática de fato considerado crime político. Neste caso, consistia na divulgação de críticas ao caudilho e às suas instituições por meio de artigos publicados na imprensa paulista. A partir do instante que estava constatada a pretensa atividade delitiva, dava-se início à tarefa de recopila- ção de todas as informações sobre o assunto (provas). O material localizado seria selecionado, analisado, e o original remetido ao MAE, sendo que uma ou mais cópias ficariam arquivadas numa pasta registrada com seu nome no arquivo da embaixada espanhola no Rio de Janeiro.
Claro está que esses diplomatas se valiam de uma rede de informantes para alimentar inúmeras pastas das chancelarias sobre a atuação dos investigados. Nos relatórios enviados por estes funcio- nários ao MAE há referência às informações obtidas por meio não revelados diretamente. Isso nos sugere a existência de rede clandestina de colaboração, que, muito provavelmente, usava distintos meios ilícitos para operar. Esta rede poderia estar formada por particulares ou funcionários públicos, questão esta que ainda merece ser investigada detalhadamente em outro trabalho sobre o tema.
Guerra de nervos dentro e fora da Espanha
O estopim para as ações de “combate” contra Amador Sánchez foi o conteúdo de suas de- clarações ao periódico Diário da Noite, que reiteravam a existência da luta contra Franco dentro e fora das fronteiras. Com muita lucidez e acuidade para a interpretação dos fatos, tocava nos três pontos sensíveis para o Governo franquista naquele momento. O primeiro deles era o controle sobre os movimentos antifranquistas que ameaçavam o regime. Sustentava que havia focos de oposição à ditadura no território espanhol e no exterior, onde cidadãos espanhóis ainda resistiam cada qual a sua maneira:
Hoje como ontem, a Espanha resiste. Resiste dentro de suas fronteiras e em todos os núcleos de espanhóis livres que se distribuem pelo mundo […] quanto às incursões dos republicanos através das fronteiras, elas não constituem mais do que tentativas esporádicas, com duas inten- ções diversas: reanimar e sustentar a resistência subterrânea que existe na Espanha de Franco e submeter o regime do Caudillo a uma intensa guerra de nervos.26
O segundo, a derrocada do franquismo por imposição internacional, tendo em vista o risco que representava para as potências democráticas ocidentais. Este debate perduraria nas Nações Unidas até a admissão da Espanha como membro daquela organização internacional, em 1955.
26 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 51/16489, Diário da Noite, de 24 de outubro de 1944. AGA, Ex- teriores.
Na opinião de Sánchez, a guerra de nervos provocada pelos atos de resistência anunciava a pos- sibilidade de novo conflito no país:“[…] [era o] prenúncio de acontecimentos maiores e mais sérios que por certo hão de ocorrer na Espanha, caso o problema espanhol não seja incluído no programa de paz mundial que os aliados vêm preparando […]”.27
Desta forma, salientava que se o regime republicano não fosse reinstaurado na Espanha, haveria a possibilidade de outra guerra com dimensão internacional: “É preciso […] que as nações que vão decidir os destinos do mundo de amanhã, tenham em conta que se a Espanha não retornar ao sistema republicano teremos lançado na Europa as sementes para um outro conflito entre os povos […]”.28
E o terceiro ponto, a violência e a repressão, frutos da política de aniquilamento planejada e executada contra a população “vencida”. Após 1946, este tema seria objeto de inúmeras de- núncias junto à Comissão de Direitos do Homem das Nações Unidas provocando uma série de pedidos de explicação à Espanha por parte deste órgão subsidiário.29 Amador Sánchez, com precisão de análise, explicava ao periódico paulistano que o Governo de Franco, depois de cin- co anos de existência, se resumia em “fome, miséria, mercado negro e intolerância”, e que uma propaganda capciosa havia desacreditado a Espanha republicana rotulando-a de “vermelha”:
“[…] a hora da redenção, prosseguiu o Sr. Luiz Amador Sanchez, não deve tardar. E o mundo, então, poderá melhor compreender como e porque foi derrotada a Re- pública espanhola, quais foram os métodos empregados para desacreditá-la, como agiu a propaganda capciosa que procurou rotulá-la de “vermelha”, e, sobretudo as consequências funestas do novo regime, cujo balanço se resume em fome, miséria, mercado negro e intolerância.30
Sobre a opressão, defendia que a preocupação maior do caudilho foi empreender a persegui- ção sistemática contra figuras de projeção na política e de intelectuais, dando como exemplos a execução de Lluís Companys i Jover, líder do partido Esquerra Republicana da Catalunya e presidente da Generalitat da Catalunha, que foi submetido a conselho de guerra e fuzilado. E a prisão do professor Julian Besteiro, que faleceu numa prisão de Madri.
Em razão da difusão de suas ideias, Amador Sánchez, assim como outros intelectuais, passava do rol de indivíduos potencialmente ao rol de efetivamente perigosos para franquismo. O mo- tivo é expunha publicamente as fragilidades deste sistema, e na qualidade de professor de uma universidade pública de prestígio. Inclusive, por causa de sua atividade neste cargo assumido havia poucos meses, receberia críticas severas por parte de diplomatas comprometidos com a ditadura.
Homens da política e da cultura: exílio intelectual e resistência
A matéria do jornal Diário da Noite, que havia provocado a reação imediata por parte da di- plomacia, foi enviada por José Gallostra à embaixada no Rio de Janeiro acompanhada de nota deste cônsul geral sobre o assunto. Em sua avaliação, os artigos de Amador Sánchez publicados na imprensa paulista até aquele momento sempre mantiveram orientação correta e tratado de
27 Ibid.
28 Ibid.
29 Esta questão foi por nós analisada em Ribeiro, M.C.S. (2018). Relegado à invisibilidade… Op. cit.
30 Ibid.
diversos temas com excelência. E considerava que o seu tom “desagradável” naquela entrevista refletia o nervosismo dos republicanos diante da atitude serena do Governo espanhol frente ao conflito mundial. Na realidade, naquela altura, os revezes sofridos pelo Eixo durante os com- bates e a queda de Mussolini já prenunciavam a vitória aliada, causando ainda mais tensão às autoridades franquistas que temiam o futuro a ser reservado para o regime.
O embaixador Pedro Conde, por sua vez, concordou com a apreciação de seu colega a respei- to do comportamento de Amador Sánchez, e encaminhou ao MAE todo o material coletado.31 A partir de então, criou-se junto ao arquivo da embaixada pasta com o nome de Amador Sánchez, onde foram armazenados nove artigos de sua autoria, que continham críticas ao franquismo, às suas instituições e aos seus apoiadores. Este material havia sido publicado nos jornais das cidades de São Paulo (Folha da Manhã e O Estado de São Paulo) e de Santos (A Tribuna), no período entre novembro de 1944 e dezembro de 1946.32 São textos dotados de ironia fina que atam os olhos do leitor. Estes artigos foram recolhidos pelos cônsules Fernando Carlos de Navarro y Jordán, em Santos, e José Gallostra, em São Paulo.Ambos teceram considerações negativas sobre o conteúdo, e mais uma vez remeteu-se o material ao MAE por intermédio da embaixada.
No artigo “O problema político espanhol interessa à América”,33 Amador Sánchez sustenta- va que se poderia ficar alheio à luta dos republicanos espanhóis contra Franco, mas se deveria estar atento à Falange. E a ideia de “hispanidade” defendida pelo partido único — da solida- riedade do mundo hispano-americano sob a égide de Espanha por intermédio do idioma e da cultura — nada mais era que a arma secreta (nos moldes do nazismo) para atacar a democracia latino-americana. Citava como exemplo as atividades falangistas que haviam sido descobertas no Uruguai, em Cuba, no México e nos Estados Unidos.
Dirigia diretamente crítica a postura da diplomacia franquista que servia à propaganda dos ideais falangistas, que, ingenuamente, pensavam conseguir ocultar: “[…] é infantil acreditar em outras boas intenções pela sugestão pessoal que tem causado certos representantes franquistas irradiando fascinação e simpatia tendo como centro as embaixadas […]”.34 E concluía aduzindo que à medida que o fim da Segunda Guerra Mundial se aproximava (com a consequente derro- cada do nazifascismo) a subsistência do regime franquista se tornaria um problema internacional.
O texto “Companys, Laval e Franco”35 foi avaliado por Navarro y Jordán como tendencioso e violento.36 Comparava-se a trajetória de vida de duas figuras políticas e o tratamento dado pelo Governo franquista. Uma delas era o dirigente catalão Lluís Companys, que foi assassi- nado após ter sido entregue às autoridades franquistas, em 25 de outubro de 1940, e a outra, o francês Pierre Laval, que havia colaborado com os nazistas na França de Pétain, e que se refugiou em Barcelona.
Amador Sánchez referia que Laval estava no castelo de Montjuïc preparando sua defesa, e, em tom jocoso, afirmava que deveria tomar nota de tudo e não romper o fio de suas lembranças. Anotar a cooperação com o embaixador de Hitler, os franceses fuzilados com sua cumplicidade
31 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 1577-35, Despacho n.º 366 de Pedro García Conde, embajador, Embajada de España, Rio de Janeiro, 30-10-1944.
32 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 51/16489.
33 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 51/16489, publicado em Folha da Manhã, 15-11-1944.
34 Ibid.
35 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 51/16489, publicado em A Tribuna de Santos, 7-6-1945.
36 AGA, Alcalá de Henares, Exteriores, Embajada de España en Río de Janeiro, Despacho n.º 37 de Navarro y Jordán al embajador, Consulado de España, Santos, 7-6-1945, 51/16489.
e consentimento, as represálias germânicas com sua ajuda e devoção, sua perseguição aos que fugiam, quando os embaixadores norte-americano e inglês, Carlton Hayes e Samuel Hoare, se esforçavam para salvá-los de uma morte fatal, ou, seu “germanismo” incondicional quando os patriotas franceses regavam com o próprio sangue as ruas de Paris e os campos de concentração.37 Em “O general falou […]”,38 novo artigo considerado tendencioso por Navarro y Jordán,39 endurecia suas palavras em direção ao regime franquista. Em tom irônico, criticava o conteúdo das informações transmitidas por uma rádio criada em 21 de junho de 1945, em Madri, para ser ouvida na América Latina, e a que intitulou como “Rádio fascista de Madri”. Segundo ele
o primeiro programa iniciou-se da seguinte maneira:
[…] um locutor da citada emissora espanhola, com voz estentórea, se chegou ao microfone e se persignou: em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo […] o mesmo podia ser uma homenagem apostólica para abençoar a onda, para enco- mendar-se ao céu antes de pecar, ou podia ser para recomendar ao mundo ame- ricano para que se persignasse também, pelas coisas inauditas que ia ouvir. Foi por esta última razão.40
Durante este programa, Franco teria negado qualquer relação entre a natureza do seu regi- me e a do nazismo ou do fascismo. Afirmado que a sua Espanha teve como propósito interna- cional a manutenção da paz e que havia conseguido liquidar com a guerra interna. E assegu- rado que os espanhóis ouviriam “[…] quotidianamente a verdade sobre a Espanha, e sem nos dar a boa noite, porque sua alta hierarquia lhe impedia tal cortesia, se retirou do microfone da Rádio fascista de Madri”.41
A fala do caudilho provocara a indignação de Sánchez, sua verdadeira repulsa diante dos argu- mentos que seriam repetidos incessantemente durante a existência do regime: que o falangismo não se aproximava do fascismo, que a revolução foi marxista e não nacionalista, que o povo espontâ- nea e paulatinamente se colocou ao lado de Franco, que não houve soldados estrangeiros nas fileiras nacionalistas, que Guernica foi incendiada pelos “vermelhos”. Em tom jocoso, Sánchez afirmava que seria fácil sustentar estes argumentos depois de já ter feito antes, santamente, o sinal da cruz.
E com palavras ainda mais duras, imputava a Franco a responsabilidade pelo isolamento internacional que Espanha teria que enfrentar, e que isso não teria sido fruto da propaganda realizada por seus inimigos, os “maus espanhóis”:
[…] não creia o generalíssimo que é a propaganda dos “maus’” espanhóis que o arrastou a sua crítica situação atual. Foi a sua própria propaganda, e que agora se remata, acudindo às ondas radiofônicas, onde treme a débil consciência de um regime que se impôs pela força e se desviou da generosidade do vencedor, gene- rosidade que precipitadamente agora deseja derramar sobre os desterrados […].42
37 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 51/16489, publicado en A Tribuna de Santos, 7-6-1945.
38 Ibid., 1-7-1945.
39 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 51/16489, Despacho n.º 44 de Navarro y Jordán al embajador, Consulado de España, Santos, 3-7-1945.
40 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 51/16489, Artigo “O general falou…”. publicado em A Tribuna
de Santos, 1-7-1945.
41 Ibid.
42 Ibid.
A Espanha de Franco não havia sido convidada a participar das reuniões para a criação de uma futura organização internacional, e, ao final, foi impedida de entrar na Organização das Nações Unidas, em razão das relações que estabeleceu com o nazifascismo. Desde o apoio para vencer a Guerra Civil até a colaboração dada ao Eixo durante a Segunda Guerra Mundial. Nas palavras de Sánchez: “[…] o fato inegável, entretanto, sem propaganda, é que Don Francisco Franco falou no último dia 21, e nem mesmo persignando-se antes de falar, São Francisco de Califórnia acreditou em sua verdade. Não o deixou entrar na Organização da Paz e Segurança Mundial […]”.43
Em “A encruzilhada de Franco”,44 analisava em tom sarcástico e provocativo o discurso proferido pelo ditador, em julho de 1945. Afirmando que, com a derrota completa do nazifas- cismo, Franco tornou-se vítima de sua própria culpa. Substancialmente, era um vencido, como Hitler e Mussolini. Seu grito era de angústia e de um moribundo, que, naquele momento, proclamava seu regime enquanto algo puramente espanhol, rejeitando reconhecer que houve participação estrangeira no conflito civil. Essa recusa apoiava-se na ideia de que o único es- trangeiro que existiu na Espanha, alheio e odioso, teria sido o regime republicano “comunista” e, depois, a Brigada Internacional, que combateu nas fileiras republicanas.
Contra estes argumentos propalados pelo caudilho,Amador Sánchez afirmava que acusar a Re- pública de colônia russa caia muito bem enquanto “as divisões nazistas assolavam países e o mundo contemplava aterrorizado a avalanche totalitária”. E essa história de comunismo republicano es- panhol e dos antropófagos de padres, frades e freiras, estaria bem para ser contada nas aldeias caste- lhanas, onde ainda existiam “pobrezinhas vovós, que continua[vam] com a roca e o fuso, ouvindo missa e rezando novenas nas humildes igrejas de povoados”. Mas, se estas histórias fossem contadas nos povoados asturianos, nos arredores de Almeria ou no País Vasco,“seguramente que o narrador se sairia malparado com esses contos aterrorizantes à custa dos republicanos”.
Seguia com a análise dos dados econômicos apresentados pela revista norte-americana For- tune, segundo a qual não haviam sido investidos 230 milhões de dólares em infraestrutura e obras públicas na Espanha, como havia sido previsto pelo Governo franquista. A maior parte destes recursos tinha sido destinada para o exército. Em quatro anos, a dívida interna havia aumentado quase um terço. O nível de vida, que já era extremamente baixo, havia descido ainda mais. Diante deste quadro, comentava Sánchez, que todos se perguntavam em tom de brincadeira: “Quem é o maior general da Espanha?”. A resposta não é “general Franco”, mas “general protesto”, porque “o protesto é general”.
Mencionava que, no discurso de julho de 1945, o ditador havia prometido restaurar a mo- narquia. Não se sabia se era manobra política ou confissão de seu fracasso. Neste contexto, Franco estava numa encruzilhada onde apresentavam-se duas possibilidades: continuar caudi- lho de Espanha ou trazer de volta a monarquia.
Terminava este artigo aduzindo que o mundo já estava conhecendo as verdadeiras intenções do ditador, seus meios e procedimentos e que o slogan “Arriba España” já não era “um grito de combate, o grito dos bons tempos, com camisas azuis e mãos estendidas”, mas “um cha- mamento desesperado à nação, que nem sequer dificilmente se levanta[va] do abismo onde a afundaram”.
43 Ibid.
44 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 51/16489, A encruzilhada de Franco, publicado em A Tribuna de Santos, de 26-7-1945.
Cerca de três dias após a publicação deste artigo (“O general falou”) em A Tribuna, o embai- xador Pedro García Conde escrevia à Madri comentando o fato, relacionando a defesa pública destas ideias ao seu cargo de professor. Influenciado pelo mito do complô judaico-maçônico- comunista internacional, informava que a “campanha anti-Espanha” recrudescia nos países latino-americanos por instruções de lojas maçônicas e de centros comunistas.
No Brasil, sustentava Conde, o abrandamento da censura pelo Governo de Getúlio Vargas por razões de conveniência eleitoral e de “alta política” teria conferido espaço para “elementos extremistas”, que seguiam cegamente as instruções de Moscou, tomarem parte em reuniões po- líticas, em discursos e nas colunas de jornais com o objetivo de fazerem-se ouvir. Estes indivíduos procuravam reunir ao seu redor ex-membros de carreira do MAE para que figurassem “pompo- samente” como diplomatas republicanos. Como exemplo, citava Luis Amador Sánchez, pessoa a quem considerava inteligente e trabalhadora, e que havia permanecido alheio às “atividades sectárias”, mas, que, após sua nomeação como catedrático da Universidade de São Paulo “[…] paga[va] sua gratidão com artigos contínuos contra o regime espanhol” (tradução livre).45
Das práticas de combate às medidas punitivas
As ações de combate operadas por aquela diplomacia estavam dirigidas, primeiramente, a fazer cessar qualquer atuação que fosse considerada contra o regime franquista. E este rol era muito amplo, abrangia desde manifestações públicas durante conferências ou por meio da pu- blicação de artigos, homenagens ao Governo republicano até apoio aos refugiados espanhóis que não poderiam regressar ao seu país natal.
E em segundo lugar, também tinham por finalidade provocar nas autoridades brasileiras algum tipo de reação, de medida punitiva. E que poderia ser a determinação da prisão do in- divíduo,46 capaz de funcionar como elemento de intimidação para que abandonasse automati- camente suas ideias. Ou, coletiva, de maior abrangência e com impacto muito maior. Exemplo deste tipo de ação foi a detenção de Isidro Vila, presidente do Centro Republicano Espanhol de Porto Alegre (RS), em 1937, provocada pela remessa à polícia daquela cidade das informações produzidas contra ele por Álvaro Raya Ibáñez, ex-cônsul do Ministério de Estado. E o fecha- mento daquele CRE que levou à apreensão de documentação, ocasionando a prisão de outros membros desta entidade, fato este noticiado pela imprensa.47
Além da restrição de liberdade com a detenção, que por si só gerava imenso constrangi- mento e incertezas sobre o futuro, o indivíduo poderia responder à processo-crime instaurado
45 Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 1577-35, Exteriores, Despacho n.º 200 de Pedro García Conde, embajador, Embajada de España, Río de Janeiro, 4-7-1945.
46 Como exemplo, mencionamos a prisão do anarquista Jesus Ribas que ocorreria após o ex-cônsul Álvaro Raya Ibáñez ter informado à política onde poderia ser encontrado:“[…] he visto una lista de los que próximamente serán llamados a declarar y un nombre resalta, seguido de una ficha muy interesante. Se trata de Jesús Ribas Sueiro, a quién yo conoszo de antíguo y sé es extremista […] será detenido de un momento a otro, habiendo él que subscribe indicado dónde puede ser encontrado”. Cf. Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 51-16041, Despacho n.º 132 de Álvaro Raya Ibáñez, canciller encargado, a José de Cárcer, encargado de Negócios de España/Rio de Janeiro, Porto Alegre, 8-11-1937.
47 Estas prisões teriam sido efetuadas após a ingerência de Álvaro Raya. O uso da detenção como estratégia de intimidação pode ser constatado por meio de suas próprias palavras: “…las prisiones efectuadas están llenando de recelos a los que han tenido de alguna forma participación en las mismas [nas atividades no Centro Republicano Espanhol], y si no es más que por miedo, no volverán a meterse en nada, como me consta ocurre con algunos…”. Cf. Archivo General de la Administración (AGA), Exteriores, 51-16041, Despacho n.º 120 de Álvaro Raya Ibáñez canciller encargado a José de Cárcer, encargado de
contra ele ante a Justiça brasileira e a sua eventual condenação. Tratando-se de estrangeiro, fatalmente seria expulso do país com o estigma de comunista e sendo obrigado a regressar à Espanha. Essas eram as possíveis consequências derivadas das ações de combate empreendidas pelos diplomatas. Este conjunto de medidas estava fundamentado, não raras vezes, nas inves- tigações que eram levadas à cabo por estes funcionários do MAE no Brasil e cujos elementos (provas) eram apresentados às autoridades varguistas. Esta prática ocorria desde a Guerra Civil espanhola como já demonstramos anteriormente.48
O castigo aos acusados não esteve adstrito à jurisdição brasileira. As provas também eram re- metidas à Madrid com o objetivo de permitir a perseguição nas distintas instancias franquistas. No caso de Luis Amador Sánchez Fernández, sabemos que esteve no Brasil sob o olhar vigilante da diplomacia franquista e que foi punido na Espanha por sua fidelidade ao Governo republicano durante o conflito civil. Muito embora tenha sido exonerado de seu cargo de cônsul após a vitó- ria nacionalista, em 1939, somente dois anos mais tarde que o MAE remeteu denúncia contra ele ao Tribunal Regional de Responsabilidades Políticas de Madri, em 31 de março de 1941.49 Este tribunal estava composto por um militar do Exército (presidente), um advogado militante na FET y de las JONS e um juiz de carreira. E poderia cominar aos sentenciados a pena pecuniária, a de inabilitação absoluta ou especial para o exercício profissional, e a de restrição de liberdade de re- sidência (extrañamiento,50 envio às possessões espanholas na África, o confinamento ou o desterro). Poderia também propor ao Governo a perda da nacionalidade espanhola.51
Esta estrutura havia sido criada pela Lei de Responsabilidades Políticas, editada em 1939. Naquela ocasião, foram instituídos dezoito tribunais regionais e o Tribunal Nacional de Res- ponsabilidades Políticas funcionava como instancia superior. Juntamente aos tribunais funcio- navam juizados instrutores distribuídos por província, num total de sessenta e um.
No caso de Amador Sánchez não está claro na documentação porque seu processo ficou para- lisado por quase dois anos.Acreditamos que tenha sido em razão do mau funcionamento daquele órgão que acumulava milhares de processos sob sua jurisdição sem que houvesse julgamento. A lei de responsabilidades políticas havia sido editada para conferir punição exemplar e a quanti- dade de demandas junto ao TRP era imensa. A demora para ditar as sentenças e aplicar o castigo desmoralizavam o regime. Por este motivo, procedeu-se a reforma deste órgão em 1942, permi- tindo-se a simplificação do procedimento para torná-lo mais célere e suas sentenças exequíveis.52 Nos autos do processo contra Amador Sánchez junto ao TRP, que está guardado no Centro Documental para a Memória Histórica/Salamanca, não constam nem a acusação apresentada
Negocios de España/Rio de Janeiro, Porto Alegre, 7-11-1937. Sobre a análise da atuação de Raya Ibáñez ver: Ribeiro, M.C.S. (2023).Varguism and Francoism in connection: The “policing” of diplomacy (1936-1939). In: Faraldo, J.M. y Gómez Bravo,
G. (Eds.). Interacting Francoism: Entanglement, Comparison and Transfer between Dictatorships in the 20th Century. Routledge. Cabe ressaltar que o alvo principal de Raya era Isidro Vila. Isso fica muito claro quando se avaliam outros atos punitivos tomados contra ele pelo então cônsul anos depois, já em 1941.
48 Ver: Ribeiro, M.C.S. (2020). Violações transnacionais: diplomacia, colaboração e repressão contra espanhóis (1936- 1939). Monções, Universidade Federal de Grande Dourados, disponível em https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/moncoes/article/ view/11394/6250.
49 Cf. Centro Documental de la Memoria Historica (CDMH), TRP, 42-2877, Expediente (número ilegível), Juiz Instructor Provincial n.º 3 de Madrid.
50 Esta medida significa proceder a expulsão após o cumprimento da pena de prisão.
51 Sobre este tribunal ver:Ver: Álvaro Dueñas, M. (2009). Control político y represión económica… Op. cit.
52 Em meados de 1941, somente cerca de 38 mil processos haviam sido encerrados, e aproximadamente 80 mil estavam em trâmite. Os relatórios (informes) sobre os antecedentes políticos e sociais dos indivíduos eram provas determinantes neste tipo de processo e eram emitidos por autoridades “religiosas, policiais, militares e sociais”. Os serviços da Falange e os párocos não
contra pelo MAE, que parece continha 15 folhas, e nem qualquer referência ao seu conteúdo.53 Entretanto, sabe-se que teria dado causa ao procedimento judicial instaurado contra ele por infração ao art. 44 da Lei de Responsabilidades Políticas, de 9 de fevereiro de 1939.54
Há menção de que este processo foi remetido ao Juizado de Instrução da Audiência Provisória de Madri, que seria responsável pela investigação e formação da prova.55 Mas, nos autos também não constam os atos que foram realizados no juízo mencionado.56 Talvez porque o processo tenha sido paralisado e houve a continuidade dos atos processuais muito tempo depois, somente em 1943. Existem o pedido do Ministério Público (Ministério Fiscal) para que fosse requerido ao MAE a informação sobre a atuação do acusado após o início da Guerra Civil, em 18 de julho de 1936, e a determinação do juízo neste sentido. Desejava-se saber onde estava naquele momento e para qual governo teria trabalhado, se para o republicano ou para o nacionalista.
O MAE atendeu à solicitação e reportou que havia estado na Argentina, junto aos consulados de La Plata e Buenos Aires, e, que em 5 de março de 1938, tomou posse do consulado no Rio de Janeiro às ordens do Governo republicano. Acrescentava-se que se desconhecia sua última residência na Espanha.57
A sentença condenatória neste processo tardou a ser prolatada, somente em 6 de julho de 1944, mais de três anos depois de seu início.Amador Sánchez foi considerado em paradeiro desconhe- cido e julgado à revelia, muito embora seus ex-colegas de profissão o estivessem vigiando e sou- bessem onde vivia, na cidade de São Paulo. O motivo da condenação foi o fato de ter-se mantido vinculado ao Ministério de Estado durante o conflito civil, ou seja, “teria aceitado e desempe- nhado funções consulares no exterior para as quais foi nomeado pelo Governo republicano” (ao anexo “d” dos arts. 1.º e 4.º).58 Este fato foi considerado de menor gravidade e a pena cominada foi a de inabilitação absoluta para o exercício de cargo da carreira diplomática por cinco anos, e
conseguiam responder em tempo a quantidade de pedidos de informação dirigidos não apenas pelo TRP como por outros órgãos repressivos.Ver: Álvaro Dueñas, M. (2009). Control político y represión económica…, op. cit., 266-268.
53 No Fundo Arquivo Renovado do Ministério de Assuntos Exteriores há cinco pastas sobre Amador Sánchez a saber: uma, sobre a concessão do título de Cavalheiro, em 12 de dezembro de 1923 (cf. AGA, Exteriores, 82/11642). Outra, a respeito dos gastos que efetuou com traslado de residência no exterior (cf. AGA, Exteriores, 81/07683). Uma terceira pasta que contém, curiosamente, um formulário da Unesco firmado por Amador Sánchez, em 1958, para obter uma vaga naquele organismo. Este documento é uma solicitação de ingresso no Sistema ONU com o detalhamento do currículo do interessado. Não foi possível constatar até este momento o motivo pelo qual este formulário estava na posse do MAE. Acreditamos que deveria ter sido apresentado diretamente àquela entidade internacional. A quarta pasta é o seu prontuário funcional (expediente personal n.º 22387) que não conseguimos localizar apesar dos esforços. Deveria estar na caixa 12/03392 do Fundo Exteriores do AGA. Entretanto, em seu lugar consta informação, expedida pelo Arquivo Geral do MAEC, de que a pasta foi retirada daquela caixa em 9 de dezembro de 2009. No Arquivo Geral, informaram que não estão na posse deste conjunto de documentos. Até o presente momento, não conseguimos saber qual destino foi dado a esse material. A quinta pasta está armazenada no maço “Cónsules Rojos” (cf. AGA, Exteriores, 54/11673) e trata sobre sua vida funcional.
54 Centro Documental de la Memoria Historica (CDMH), TRP, 42-2877, Despacho do presidente do Tribunal Regional de Responsabilidades Políticas, Madrid, 31-3-1941.
55 Ibid.
56 Buscamos estes documentos (autos do juizado de instrução) e outros dados sobre a vigilância e a punição criminal contra Amador Sánchez em diferentes arquivos, mas não obtivemos sucesso. No acervo do Arquivo Histórico Nacional, tanto na relação de processos-crime instaurados junto à Audiência Territorial de Madri, quanto nos expedientes da Direção Geral de Segurança (DGS), não logramos localizar qualquer registro de documentação sobre ele. Igualmente, no Fundo do Arquivo Provincial de Madrid, guardado no Arquivo General da Administración, não localizamos registro de processo-crime instaura- do contra ele. Igualmente, no Arquivo Geral do Ministério do Interior não há qualquer informação sobre Amador Sánchez, tanto no Arquivo Geral do Departamento quanto na Direção Geral de Polícia (solicitações registradas sob os códigos REGA- GE22s00041220449 e REGAGE22s00054031361, em 20 de setembro e 28 de novembro de 2022).
57 Centro Documental de la Memoria Historica (CDMH),TRP, 75-1143, Despacho n.º 17 do subsecretario al Presidente da Sala de Instancia n.º 2 do Tribunal Nacional de Responsabilidades Políticas, Ministerio de Asuntos Exteriores, Madrid, 3-2-1944.
58 Centro Documental de la Memoria Historica (CDMH), TRP, 75-1143, Sentença prolatada por Esteban Samaniego, Luis María Moliner e Adolfo Suárez, Sala Segunda do Tribunal de Responsabilidades Políticas, Madrid, 6-7-1944.
o pagamento da multa de dez mil pesetas. O Ministério Público (Ministério Fiscal) havia reque- rido a sanção de seis anos de impedimento de exercício de atividade profissional, cumulada com a multa de cinquenta mil pesetas.59 A sentença condenatória não foi anulada, e ele somente seria indultado da sanção econômica em junho de 1957, e quatro anos depois viria a falecer.
Não é possível saber exatamente por que o MAE teria remetido denúncia contra ele ao TRP somente em março de 1941.Tampouco, se este fato estaria relacionado à investigação realizada no Brasil contra ele cerca de oito meses antes, em junho de 1940. Nesta oportunidade, a polí- cia política paulista buscou informações sobre Amador Sánchez por ordem do Ministério da Justiça. O motivo foi que seu nome figurava entre aqueles que assinaram uma petição dirigida ao presidente Getúlio Vargas solicitando que se autorizasse a entrada no Brasil de refugiados políticos espanhóis. Este pedido fora redigido por Ricardo Pérez Malonda, que fora vice- cônsul de Espanha no Rio de Janeiro e, também, havia se mantido fiel ao Governo de Madri. Esta solicitação foi tratada pelas diversas instancias administrativas brasileiras como tentativa de fazer entrar no Brasil espanhóis partidários do credo de Moscou. Ao reportar o fato ao Ministério da Justiça, o chanceler Oswaldo Aranha qualificou aqueles refugiados como comu- nistas que estavam espalhados por diversos países.60 Acrescentava que a petição estava assinada também por sociedades espanholas sediadas em São Paulo (Centro Galego, Centro Republi- cano Espanhol, Federação Espanhola e Sociedade de Socorros Mútuos). O ministro da Justiça Francisco Campos, por sua vez, ao dirigir-se ao interventor federal no Estado de São Paulo requerendo apuração do caso, avaliava que o ingresso daquelas pessoas no país colidia com os altos interesses de defesa do Estado contra a divulgação de ideologias extremistas.61 Tanto Ara-
nha quanto Campos associavam o regime republicano espanhol ao comunismo.
Após uma série de ofícios, a polícia política paulista foi instada a iniciar o trabalho de apu- ração dos fatos. E o policial Carlos Marques ficou encarregado de proceder à investigação.62 Consultou o que estava guardado nos arquivos da polícia e obteve dados adicionais de fonte que não revelou a autoria. Em seu relatório final, Amador Sánchez está qualificado como um diplomata de carreira com grande capacidade intelectual, que após ter deixado seu cargo con- tinuou a viver no Rio de Janeiro. E em razão da dificuldade para manter-se nesta cidade, teria se transferido para a cidade de São Paulo onde recebia ajuda de outros espanhóis. Pernoitava na pensão da Sra. Lucrécia e tomava suas refeições em outro endereço. Marques afirmava que havia coletado informações de que ele era esquerdista, mas não esclareceu quais seriam essas evidências e nem por meio de quem as obteve. Concluía que, apesar de não ter sido possível comprovar sua ideologia, considerava que o ato de firmar a petição elaborada por Ricardo Malonda já revelava ser partidário do comunismo.
59 Infração aos anexos “d”,“m” e “o” do art. 4.º da Lei de Responsabilidades Políticas. Cf. Centro Documental de la Memoria Histórica (CDMH),TRP, 75-1143, Despacho de (assinatura ilegível), fiscal, Ministério Fiscal, Madrid, 25-2-1944.
60 Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), DEOPS/SP, Prontuário 45632 – Luis Sanches, Ofício reservado NP/348/601.3(84), de Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, à Francisco Luiz da Silva Campos, ministro da Justiça e Negócios Interiores, Ministério das Relações Exteriores, Rio de Janeiro, 7-6-1940.
61 Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), DEOPS/SP, Prontuário 45632 – Luis Sanches, Ofício de Francisco Luiz da Silva Campos, ministro da Justiça e Negócios Interiores, à Adhemar de Barros, Interventor de São Paulo, Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Rio de Janeiro, 3-7-1940.
62 Ainda não pudemos esclarecer qual o significado exato da frase que aparece datilografada em seu relatório: “Relatório n.º 73 do inv. R. S.”. Certo é que o relatório foi redigido após a leitura de informações contidas em outros prontuários policiais (o próprio autor do documento assim o declara). Por outro lado, o texto contém dados que parecem ter sido resultado de investigação. Não é possível estabelecer o que vem a ser R.S. Se era um policial do Serviço Secreto, ou Carlos Marques, ou nenhuma das hipóteses anteriores.
A leitura deste relatório nos revela que Carlos Marques investigava membros da comuni- dade espanhola e suas associações havia alguns anos.63 Estava convencido de que simpatizavam com as ideologias de esquerda, e afirmava que durante o Governo republicano é que teriam passado a aderir ao comunismo.64 Informou que o cônsul geral de São Paulo não se relacio- nava com aquelas entidades, conforme ele mesmo havia declarado. Não nos restou claro se o fez ao próprio policial ou a terceiro. Esse último dado nos sugere que havia contato entre este funcionário e o representante da Espanha franquista.
O prontuário policial de Amador Sánchez, guardado no Arquivo Público do Estado de São Paulo, contém poucos elementos, somente os que se relacionavam à investigação levada à efeito pela polícia política paulista em junho de 1940.65 A documentação espanhola localizada até este momento demonstra a participação efetiva do MAE na sanção penal que sofreu em 1944, uma vez que este órgão remeteu denúncia ao TRP. Mas, em contrapartida, ainda não nos autoriza a dimensionar os atos de repressão praticados contra ele, a estabelecer os aspetos transnacionais
—a colaboração conjunta entre Brasil e Espanha para perseguição— e se houve outro tipo de represália (menos perceptível) além da punição pelo Tribunal de Responsabilidades Políticas, que era um ato a que se dava publicidade.
O Fundo Exteriores (Embaixada de Espanha no Rio de Janeiro) do Arquivo Geral da Ad- ministração da Espanha contém uma pasta com a solicitação de ingresso de Amador Sánchez na Unesco, em 1958. Trata-se do formulário original deste organismo, que está preenchido à máquina e assinado por ele. Constam seus dados pessoais, informação sobre seu interesse por trabalhar na ONU, seu currículo, e um exemplar do “boletín destinado a la prensa y a la radio” Perspectivas de la Unesco, que contém um seu artigo sob o título “El problema latinoamericano de la enseñanza visto en el Brasil” (n.º 275, 10-2-1958, pp. 2-4).
Naquele formulário,Amador Sánchez manifestava desejar trabalhar para a Unesco na França ou qualquer outro país europeu, nos Estados Unidos ou no Brasil. Sobre a função a desem- penhar, queria elaborar relatórios ou projetos de acordos de interesse cultural à serviço da paz (sobre educação, universidades, dentre outros temas). Reportava que havia sido obrigado a deixar sua carreira diplomática em razão da Guerra Civil, e mencionava que, a partir de 1939, estava no Brasil na condição de refugiado político. E que em fevereiro de 1944 havia ingressado como professor na Universidade de São Paulo.66
Ainda não conseguimos averiguar por qual motivo o MAE reteve este formulário em seu arquivo. Entretanto, a existência do pedido guardado na pasta nos sugere que não chegou ao seu destino. Mas, para confirmar esta hipótese e esclarecer o motivo para isso, será necessário localizar novos elementos.Talvez o fato de ter-se qualificado neste documento como “refugia- do político”, dando-se publicidade à perseguição que sofrera por parte do Governo franquista.
63 Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), DEOPS/SP, Prontuário 45632 – Luis Sanches, Relatório de Investigação n.º 73, do investigador R. S., encarregado da Seção de Investigações, a Elpídio Reali, delegado de polícia, Delegacia de Ordem Social, São Paulo, 3-7-1940.
64 Sobre a influência da diplomacia franquista na percepção das autoridades varguistas a respeito dos republicanos ver: Ribeiro,
M.C.S. (2020).Violações transnacionais: diplomacia, colaboração e repressão contra espanhóis (1936-1939). Op. cit.
65 Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), DEOPS/SP, Prontuário 45632 – Luis Sanches.
66 Ver o original do formulário na pasta guardada sob a seguinte notação: Archivo General de la Administración (AGA), Ex- teriores, 82/13582.
Considerações finais
O lugar que o órgão de política exterior ocupou no sistema repressivo franquista ainda é um tema que merece estudos aprofundados. Muito embora a historiografia contemporânea já tenha se dedicado a revelar a atuação de diplomatas nos casos de perseguição aos cidadãos espanhóis no exterior (refugiados e políticos republicanos), há um silencio sobre a natureza dessas ações. Em nosso entender, eram eminentemente policiais. Assemelhavam-se à função desenvolvida pelas polícias criadas a partir do final do século xviii.
Não se tratava apenas de informar ao Ministério de Assuntos Exteriores sobre determinado assunto, que seria uma atividade diplomática por excelência. Ou seja, relatar à autoridade supe- rior dados a respeito de temas importantes para as relações que se estabeleceriam entre o Brasil e a Espanha — como sobre economia, política ou cultura. Também não se tratava somente de comunicar à autoridade policial brasileira a existência de fato, que, em tese, se constituiria crime político. Ato que qualquer cidadão comum estaria autorizado a fazê-lo.
A conduta daqueles funcionários relacionava-se à prevenção, ao combate da atividade con- siderada delitiva, com a consequente punição dos acusados. Dedicavam-se a formação da prova contra os “não adictos” ao regime franquista para garantir seu castigo no Brasil e na Espanha. Não seria demais recordar que não houve por parte desta diplomacia o mesmo empenho para investigar ou comunicar a prática de crimes comuns cometidos por espanhóis. A explicação reside no fato de que a ação estava dirigida especialmente à persecução ao crime de ideias, e que naquele contexto possuía a acepção mais ampla possível. Não se restringia propriamente a uma atitude positiva, no sentido de fazer algo (uma crítica pública ao caudilho, por exemplo). Mas, também englobava a ação negativa (o não fazer), como a omissão frente à guerra na Espa- nha, não assumir posição clara em favor dos nacionalistas. Igualmente, no território brasileiro, os indivíduos chamados de “indiferentes” estariam sob vigilância e sofreriam represálias por sua neutralidade diante do conflito civil ou pela falta de provas de sua adesão ao novo regime. A documentação por nós consultada até este momento nos permite afirmar que a diplomacia franquista no Brasil compartilhava alguns dos aspectos das polícias secretas comunistas mencio- nados pelo historiador José Faraldo, como a recopilação de informação (coleta de informações e armazenamento de dados), a constituição de rede de informantes ou delatores (podendo ser cooptados na comunidade espanhola), a participação na detenção de pessoas (por meio da comu- nicação da prática do delito ou fornecendo a localização do acusado), o uso de meios para coação
(intimidar o indivíduo por meio da detenção) e a exclusão (eliminação física ou simbólica).
Consideramos como ação para eliminação não apenas o desaparecimento, morte do indi- víduo ou sua expulsão do país, mas também a exclusão social a que foi submetida parte da comunidade espanhola e que se constituiu como medida mais “sutil” de perseguição. Neste sentido, o ato de reunir dados e provas contra os inimigos e remetê-los ao Ministério de Assun- tos Exteriores foi constante e aprofundava a fissura entre os espanhóis no Brasil ao promover a divisão entre “bons” (adictos) e “maus” (não adictos), alimentando-se o medo às denúncias, o terror às retaliações também muito longe da Espanha, do outro lado do Atlântico, além de garantir o silêncio sobre os temas da Guerra Civil e da ditadura franquista.
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Mariana Cardoso Dos Santos Ribeiro es investigadora y profesora del Departamento de Historia Contemporánea y del Máster “España Contemporánea en el Contexto Interna- cional” (Universidad Nacional de Educación a Distancia/Madrid). Sus temas de investigación están centrados en la Historia Política y de la Represión, derechos humanos y relaciones internacionales, y regímenes autoritarios en perspectiva transnacional. Ha investigado en ar- chivos policiales y diplomáticos de Brasil, España, Portugal y Argentina. Actualmente, desarro- lla el proyecto “Relaciones exteriores con finalidad represiva: Brasil y las dictaduras ibéricas (1936-1945)” en el Programa María Zambrano para Atracción del Talento Internacional. Del 2019 al 2020, ha sido investigadora visitante en la Universidad de Salamanca (con apoyo de la Fundación Carolina y de la Secretaria General Iberoamericana/OEIA).
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